1.O CERNE DA DOUTRINA DA SANTIFICAÇÃO
O que se sabe da teologia sistemática é que na doutrina da salvação consta também a doutrina da santificação. Isso porque é um assunto correlato, assim como também a doutrina da regeneração e justificação. Chama-se de “experiência da salvação”. Aquilo que acontece com o cristão convertido.
A doutrina da santificação é uma das mais belas obras divina quando alguém é alcançado pela graça salvadora. É a santificação que vai trazer ao pecador arrependido a purificação de seus pecados cometidos durante sua vida pregressa. Trazendo-lhe a possibilidade de poder desfrutar da santidade de Deus, preparando e tratando de seu ser até o dia de sua partida desta vida ou até a vinda de Cristo. A Bíblia diz: “porque, por meio de um único sacrifício, ele aperfeiçoou para sempre os que estão sendo santificados”. (Hb. 10.14 NVI). E também: “aos chamados, santificados em Deus Pai, e conservados por Jesus Cristo”. (Jd.1.1b ARC). Ainda: “Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus”. (Fp.1.6 ARA). Por fim: “E a paz de Deus, que ultrapassa todo entendimento, guardará o vosso coração e os vossos pensamentos em Cristo Jesus”. (idem 4.7 KJA).
Nota-se que a santificação não é obra humana. Certamente em algumas passagens bíblicas Deus ordena que sejamos santos (cf. 1Pe.1.16; Hb.12.14; 1Ts.4.3). No entanto, a ordem é dada para revelar sua própria santidade, e não para que se consiga isso pelo esforço próprio. Porém, sim, pela graça salvadora que é dada ao salvo para que este consiga viver de modo santo (cf. Tt.2.11,12). Berkhof, escrevendo sobre a santificação, diz:
A santificação [...] é essencialmente uma obra de Deus, embora, na medida em que Deus emprega meios, possamos esperar que o homem coopere, pelo uso adequado desses meios. A Escritura mostra claramente o caráter sobrenatural da santificação de diversas maneiras. Descreve-a como obra de Deus (1Ts.5.23; Hb.13.20,21), como fruto da união vital com Jesus Cristo (Jo.15.4; Gl 2.20; 4.19), como uma obra que é realizada no homem por dentro e que, por essa mesma razão, não pode ser obra do homem (Ef. 3.16; Cl 1.11), e fala da sua manifestação nas virtudes cristãs como sendo obra do Espírito (Gl 5.22). Jamais deverá ser descrita como um processo meramente natural de desenvolvimento espiritual do homem, nem tampouco deverá ser rebaixada ao nível de uma simples realização humana, como se faz em grande parte da teologia “liberal” moderna. (2011. P.529,530).
2.O CERNE DA TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA
A teologia contemporânea, por sua vez, surge no meio evangélico com suas diversas correntes teológicas fundamentadas em posicionamentos neo-ortodóxos (falarei mais tarde sobre isso); no mínimo: não ortodoxos ou subortodoxos. Explicando esses termos:
Não-ortodoxos são aqueles que se desviam da ortodoxia até certo ponto, embora não abrace necessariamente a heresia explícita. [...] Sub ortodoxos são aqueles menos ortodoxos, não são explicitamente contrários a ortodoxia. Detêm-se mais com a prática (ortopraxis). (Daniel Durand, 2008).
Tentar expor aqui suas diversas correntes fugiria ao nosso tema e tomaria um tempo significativo nessa dissertação. José Carvalho, autor do blog “Teologia Hoje” pode ajudar na definição dessa teologia:
A Teologia Contemporânea é a teologia do Século XX. Em sentido real, nasceu em 1919. Seu iniciador foi um jovem pastor, Karl Barth (1886-1968). É ele um novo pivô teológico na história, o anúncio de uma nova era teológica [...]. Em termos concretos, a Teologia Contemporânea trata do estudo acerca da teologia mais particularmente do Século XX. Esse século esteve comprometido com uma pluralidade de “teologias”, de caminhos e de muitas reflexões sobre o mundo, sobre Deus e o homem.
Conhecida também como “neo-liberalismo” essa teologia surgiu de uma resposta ao movimento liberal difundido pelo teólogo alemão Frederich Schleiermacher, que no site Wikipedia descreve-o assim:
Negava [...] autoridade e igualmente a historicidade dos milagres de Cristo. Ele não deixou uma só doutrina bíblica sem contestação. Para ele, o que valia era o sentimento humano: se a pessoa "sentia" a comunhão com Deus, ela estaria salva, mesmo sem crer no Evangelho de Cristo.
O nome Karl Barth, surge no conturbado cenário teológico do século XIX como fosse uma esperança de um retorno a autoridade da Bíblia e a ortodoxia cristã. Explicando sobre isso:
Ortodoxia: Entendimento (doxia) correto (orto). Interpretação correta do texto bíblico. A ortodoxia bíblica tem seu nascedouro na palavra empregada pelo Apóstolo Paulo como “Sã doutrina” em Tt.2.1; 1Tm.1.10 e 2Tm.4.3. Em Ef.2.20 ele chama de “fundamentos dos apóstolos e profetas”. Bem como Lucas ao escrever o livro de Atos dos Apóstolos usa a expressão “doutrina dos apóstolos” (At.2.42). Judas chama a ortodoxia da “fé que foi entregue aos santos” (Jd.3). (Daniel Durand, 2008).
Todavia, Barth saiu de um extremo para outro, com a sua famosa doutrina conhecida como Teologia da Crise, fundamento da Teologia Contemporânea. Barth fez críticas ao liberalismo teológico de Schleiermacher, mas diluiu a ortodoxia cristã no subjetivismo e no relativismo, trazendo uma nova ortodoxia ou ortodoxia generosa para o cristianismo. No blog Anti-heresias, define assim:
A ortodoxia generosa ou neo-ortodoxia, busca colocar o amor acima da verdade. Assim, em nome do “amor”, se sacrifica conceitos, princípios, padrões e marcos que foram estabelecidos pela Igreja de Cristo [...] rejeitando ou desconstruindo os princípios da hermenêutica bíblica, as doutrinas essenciais da fé cristã (a teologia sistemática) e os credos primitivos. E tem por vertente: a filosofia, o relativismo e o racionalismo. Segundo a neo-ortodoxia, não há uma verdade absoluta, e numa linguagem filosófica procura encarar o texto bíblico com puro racionalismo desraigado da fé. Por isso é flexível e submissa à constante ré-exame e reflexões, a infinita reformulação, adaptando-se a realidade da pós-modernidade (Daniel Durand, 2008).
Essa teologia trouxe sérios problemas ao cristianismo atual. Criou-se até um sentimento anti-ortodoxo nos evangélicos. Hoje, as pessoas na igreja que buscam uma ortodoxia bíblica são vistas negativamente e porque não dizer, até são evitadas. Gutierres Siqueira (2007), relatando esse fato, escreve:
Se não tornarmos clara nossa posição, com palavras e obras, em favor da verdade e contra as falsas doutrinas, estaremos edificando um muro entre a próxima geração e o evangelho. (Francis Schaeffer). A questão não é se uma doutrina é bela, mas se ela é verdadeira. (Anônimo). Não, essa não é uma crítica as doutrinas ou práticas dos neopentecostais. O artigo quer alertar para um movimento crescente no meio evangélico da atualidade, um cristianismo anti-Ortodoxia. Sendo filha da pós-modernidade, esse movimento tem crescido assustadoramente em meio de pensadores, teólogos e filósofos protestantes. Uma das vítimas dessa nova corrente é a apologética, que foi tão prestigiada pelos teólogos do Século XX, e agora é tachada como ortodoxolatria, gnosticismo cristão, e de modo pejorativo os apologistas são tachados de xiitas cristãos e “busca-dores” da reta doutrina.
Mais informação sobre o assunto, eu sugiro que se veja o vídeo ministrado por Augustus Nicodemus (2009) no site Vimeo com o tema: “Hermenêuticas pós-modernas”. Eu, particularmente, fiz uma resenha desse vídeo em meu trabalho de faculdade quando validava o bacharelado de teologia. Confira abaixo:
O Dr. Augustus Nicodemus começa falando da saída dos cristãos anglicanos por causa dessas novas hermenêuticas e a Igreja Católica Romana (com o número de seus fiéis sendo reduzido a cada década) mostra-se acolhedora desses cristãos anglicanos. Ele explica porque líderes protestantes têm deixado se seduzir pelas questões pós-modernas e querem trazer uma resposta para os seus dias mostrando-se abertos. Por isso se tornam vítimas dessas novas hermenêuticas.
O SURGIMENTO DO PENSAMENTO PÓS-MODERNO
Ele associa que essas novas hermenêuticas surgiram com o advento da pós-modernidade. A pós-modernidade acontece com a queda dos muros de Berlim. E se caracteriza o seu pensamento com a pluralidade da verdade. Não existem verdades que sejam absolutas. A verdade é produto do meio. Da interação entre indivíduo e ambiente. O que existe, segundo esse pensamento pós-moderno, são verdades complementares e existem por si só; e são interpretações diferentes e variadas da realidade que nos cercam. Em segundo lugar, O pensamento pós-moderno se caracteriza pelo abandono do ideal moderno de encontrar a verdade através do uso de métodos científicos, racional, da pesquisa, da análise crítico. O pensamento pós-moderno considera perda de tempo essa busca, simplesmente porque para eles a verdade absoluta não existe. Em terceiro lugar, eles abandonaram também a prática da neutralidade para análise científica de qualquer assunto. Os pós-modernos chegaram a conclusão de que isso é impossível. Assim, eles abraçaram que os pressupostos e convicções de alguém vão determinar o que ele está interpretando. Em quarto lugar, o pensamento pós-moderno considera que o ideal da sociedade é o pluralismo inclusivista. Todas as compreensões e opiniões são mescladas ou incluídas ao pensamento do indivíduo. Assim, nenhuma religião é melhor do que a outra. E em último lugar, o pensamento pós-moderno coloca o comportamento “politicamente correto”. Que é alguém que se comporta adequadamente com essa pluralidade de pensamento. É alguém que não questiona a crença, comportamento ou pensamento dos outros. Onde, quem não pensa assim é visto como fundamentalista, pessoas intransigentes, radicais, incorretos e incapazes de qualquer diálogo.
ÁREAS INFLUENCIADAS POR ESSE PENSAMENTO
A filosofia, que era antes dominada pelo ideal racionalista, caiu para o existencialismo. Nos costumes e nos valores, antigamente quando você mandava alguém se comportar, isso era entendido claramente. Hoje, quando mandamos alguém se comportar, já não é compreendido. Nas artes, o que era considerado arte, tinha que haver muito detalhe, paisagismo, realismo, já hoje se pega tinta e joga na parede e é considerado arte. Criaram a matemática do caos, dois mais dois nem sempre é quatro. Mudou-se a física, que saiu do absoluto para o relativo. Na teologia causa maior estrago. E é daqui que surgem as novas hermenêuticas.
Quando o teólogo pós-moderno vai para a Palavra de Deus, fazer uso da hermenêutica do texto, pouco importa para ele o que o autor daquela epístola ou livro quis dizer. Enquanto que, diferente desse pensamento pós-moderno, o teólogo clássico teria que estudar o grego, hebraico, arqueologia, história, etc. mergulhando na alma do autor bíblico para poder determinar a “intenção do autor” o “sentido do texto”. Nas novas hermenêuticas isso é abandonado, o autor morre, o texto ganha vida própria e o leitor é quem determina o sentido do texto. Para essas novas hermenêuticas não faz diferença o que Jesus, Paulo, Pedro, Moisés, etc., queriam dizer.
NOMES QUE CONTRIBUÍRAM PARA O SURGIMENTO DAS NOVAS HERMENÊUTICAS
TEÓLOGOS INFLUENTES
a. Friedrich Schleiermacher (1768 a 1834), pai do liberalismo teológico. Ele acreditava que o cerne da religião era o sentimento. Mesmo sendo um protestante, ele reduziu a religião a um sentimento. Assim, a hermenêutica deixa de ser uma tentativa de querer entender o texto bíblico para procurar compreender como é que funciona essa empatia entre o leitor e aquilo que o escritor do texto deixou. Deixa de ser exegética para ser psicológica.
b. Rudolf Karl Bultmann (1884 a 1976), desenvolvedor da teologia do mito. Ele dizia o que você tem nos evangelhos não é o Jesus histórico, mas o Jesus da fé da Igreja. Segundo ele o Jesus da fé da Igreja é uma mitologia criada pelos discípulos de Jesus. O seu pensamento contribuiu para a compreensão de que o entendimento do leitor fosse mais importante do que o sentido do autor.
c. Karl Barth (1886 a 1968), pai do neoliberalismo teológico. Barth enfrentou o liberalismo teológico, mas preservando algumas coisas do mesmo. Enquanto que os teólogos liberais diziam que a Bíblia não era a Palavra de Deus, não havia revelação divina e por isso não passava de um livro comum, contendo erros. Barth dizia que com todos os erros, a Bíblia não era a Palavra de Deus, mas continha a revelação de Deus ou a Palavra de Deus. Assim, quando você ler a Bíblia, Deus nos fala através desta Bíblia que tem erros, e se torna a Palavra de Deus quando você vai lê-la.
FILÓSOFOS INFLUENTES
a. Hans-Georg Gadamer (1900 a 2002), considerado como um dos maiores expoentes da hermenêutica filosófica. Ficou famoso pelo livro que escreveu “Verdade e Método”. Onde ele diz que a verdade não existe, e se existisse não seria encontrada através de métodos. Ele foi quem usou a figura da fusão de horizontes. Só existe compreensão quando há fusão do horizonte do escritor com o horizonte do leitor.
b. Jacques Derrida (1930 a 2004), famoso filósofo que iniciou em 1960 o argumento da desconstrução do texto. Ele disse que a linguagem é arbitrária. E incapaz de decidir o que a palavra está dizendo. Assim, nós damos o sentido que nós quisermos aos textos.
O SURGIMENTO DA NOVA HERMENÊUTICA
Vários métodos ganharam nome como resultado da influencias desses teólogos e filósofos. Porém, o mais conhecido e que teve destaque no meio acadêmico da teologia foi a “nova hermenêutica”. Sua proposta é que o sentido do texto resulta da reação do leitor. Foca-se na experiência e ambiente do leitor. A verdade nessa hermenêutica é totalmente relativa. Desta hermenêutica surge uma bem conhecida teologia na América latina que a Teologia da Libertação. Também temos como fruto dessa hermenêutica o movimento feminista, afro-descendentes, homossexual, etc. E assim fazem uma ré-interpretação do texto bíblico como novas “lentes” ou “óticas” desconstruindo a interpretação clássica.
BENEFÍCIOS DESSA NOVA HERMENÊUTICA
Há algumas coisas que essa nova hermenêutica pode ser aproveitada: Precisamos ser mais sensíveis ao contexto do leitor. A leitura a partir do pressuposto da fé também se aproveita como Agustinho dizia: “eu creio, por isso quando eu leio a Bíblia, eu a entendo”. A pluralidade da verdade nem sempre é ruim em todas as questões, pois com essa nova situação podemos entrar em universidades com o criacionismo usando o argumento de que estamos vivendo na pós-modernidade e por isso temos também a nossa verdade sobre a origem do universo.
MALEFÍCIOS DESSA NOVA HERMENÊUTICA
Quando eles exageram o mundo do leitor e anulam a intenção de autor fazem um desserviço a revelação de Deus e a mensagem que ele quer nos passar. Assim, a interpretação se torna totalmente subjetiva. Outro malefício é a confusão que fazem entre sentido e significado. Por exemplo: O Salmo 23 sempre vai ter um único sentido: Deus é nosso pastor. Embora tenhamos muitos significados ou muitas aplicações em nossa vida. Todavia, o sentido do texto permanecerá inalterável. Com a nova hermenêutica, isso tudo é confundido, misturado. A meu ver dando subsídio para charlatões e hereges. E em último lugar, essas interpretações relativizam a verdade do evangelho e a proclamação exclusiva de Jesus; e coage-a no processo disciplinar na conduta do membro.
3.AS AMEAÇAS À DOUTRINA DA SANTIFICAÇÃO
Consequentemente, tratando-se da doutrina da santificação, o pensamento teológico contemporâneo dentro do meio evangélico trouxe sérias ameaças à doutrina da santificação. Comprometendo o seu significado e usurpando ou anulando os meios da santificação.
3.1 COMPROMETENDO O SIGNIFICADO DE SANTIFICAÇÃO
O substantivo feminino “santificação” na língua do Antigo Testamento corresponde ao hebraico “qodesh”, que quer dizer: “separado, santidade, sacralidade, posto à parte” (léxico grego Strong). E na língua do Novo Testamento corresponde ao grego “hagiasmos”, que quer dizer: “consagração, purificação, o efeito da consagração, santificação de coração e vida” (léxico grego Strong). Sobre isso escreve Berkhof (2011. P.525):
O vocábulo neotestamentário para santificação é hagiasmos. Ocorre dez vezes, a saber, em Rm 6.19, 22; 1 Co 1.30; 1 Ts 4.3, 4, 7; 2Ts 2.13; 1 Tm 2.15; Hb 12.14; 1 Pe 1.2. Embora denote purificação ética, inclui a idéia de separação, isto é, “a separação do espírito de tudo que é impuro e corruptor, e uma renúncia dos pecados para as quais os desejos da carne e da mente nos levam.
Assim, santificação é uma obra da salvação no ser humano purificando-o de suas obras pecaminosas outrora cometidas antes da conversão que, depois de converso atua na mortificação do velho homem e na vivificação do novo homem, envolvendo-o integralmente espírito, alma e corpo nesse processo. Como revela o apóstolo Paulo: “O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo”. (1Ts.5.23). Em poucas palavras, santificação é “apartar-se do pecado”.
a. SANTIFICAÇÃO NA PERPECTIVA DO MOVIMENTO DE CURA INTERIOR
A Teologia Contemporânea define a santidade em outros termos. Augustus Nicodemus (2014) escreve sobre o comportamento dessa teologia quando o assunto é santificação:
Acredito que uma das maiores vulnerabilidades do liberalismo teológico é exatamente na área de santificação. Um liberal consistente terá problemas sérios para viver uma vida santa, pois os princípios operantes do liberalismo tendem a relegar a santificação a um papel secundário na vida cristã [...] tem a tendência de colocar como transcendentes as manifestações práticas e visíveis da operação da graça de Deus no ser humano, interpretando conversão e santificação em termos psicológicos, apenas.
Como Nicodemus diz em minha resenha sobre Hermenêuticas Pós-modernas: “Deixa de ser exegética para ser psicológica”. A santificação bíblica, em outras palavras, torna-se uma resolução de problemas psicológicos. É notável hoje no movimento conhecido como “cura interior” ou “cura da alma” (influenciado pela teologia contemporânea) que os pecados são tratados como “doença da alma”. Onde o pecador vira “vítima” que tem de ser tratada. Quando uma pessoa tem o pecado de maledicência ou glutonaria, por exemplo, esses pecados são vistos e tratados como doenças psicológicas e não como “pecado”. Porém a Escritura trata-o como transgressão da lei divina (cf 1Jo.4.3). O que torna um grave erro doutrinário à luz da Bíblia. Isso tira a responsabilidade individual do ser humano por seus pecados cometidos e anula o significado de santificação. Que é confundida com cura. Verifica-se isso claramente entre aqueles que pregam e divulgam tal doutrina: “A cura interior é basicamente a cura dos problemas psicológicos, curas de cicatrizes provocadas por rejeições, traumas e lembranças dolorosas. Jesus vem buscar um povo curado nas três áreas: espírito, alma e corpo. (1Ts.5.23). Uma igreja santa, pura e perfeita. (Ef.5.27)”. (Pastores Josias e Eliana. Site da Igreja Batista Palavra Viva). Veja como o texto de 1Tessalonicenses é associado a “cura” e não a “santificação” como legitimamente está em seu texto sagrado. Betty Tapscott (2009) reitera:
Em Isaías 53.5, vemos como a Bíblia prediz a obra de Jesus: "... ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados." Ele quer salvar-nos de nossos pecados — a cura espiritual; quer que tenhamos paz — a cura interior; quer que fiquemos livres de dores e doenças — cura física. Ele quer que todo o nosso ser seja perfeito!
Com essa interpretação, a autora do livro Cura Interior, deixa entender que a expressão de Isaías “o castigo que nos traz a paz” é uma referência a cura interior ao invés de ser nossa justificação perante Deus e santificação para Deus. A cura interior toma o lugar da santificação. E, obviamente, o pecado torna a ser visto como enfermidade e não como “pecado”.
b. A SANTIFICAÇÃO NA PERSPECTIVA DA MISSÃO INTEGRAL
A teologia da missão integral (influenciada pela teologia contemporânea e pela teologia da libertação), por sua vez, ver a santificação como cuidar da criação de Deus. No site Wikipédia descreve:
A teologia da missão integral (TMI) é, de acordo com Ariovaldo Ramos e Robinson Cavalcanti, uma vertente teológica protestante da Teologia da Libertação, tendo sido desenvolvida na América Latina. Para a teologia da missão integral, a dignidade humana, o cuidado com o meio ambiente e a luta contra toda a forma de opressão e injustiça são aspectos indissociáveis da mensagem do Evangelho. Segundo a Bíblia, Deus criou o mundo como expressão do seu amor, sendo o ser humano feito à imagem e semelhança de Deus e incumbido por Deus para cuidar da sua criação. O pecado é a atitude deliberada da humanidade de resistir a este propósito.
Nota-se que a definição de pecado está associada ao ser humano não cumprir o propósito divino de cuidar do meio ambiente, lutar contra toda forma de opressão humana e injustiça. Essa polêmica sobre a teologia da missão integral vem sendo discutida pela igreja evangélica. Sugiro que assistir ao vídeo da internet: Academia em Debate – Teologia da Missão Integral (Acrópole da Fé Cristã, 2014).
c. A SANTIFICAÇÃO NA PERSPECTIVA DA TEOLOGIA EXISTENCIAL
Para a teologia existencialista (vertente da teologia contemporânea), a santificação é buscar se afastar da alienação do ser, do existir. Leonardo Gonçalves (2009), compilando da obra de Harvie M. Conn, Teologia Contemporânea. Postou em seu site: “Quanto ao pecado, Tillich o define em função do ser e da alienação do Ser. A responsabilidade pelas tensões da vida moderna não está relacionada a um conceito clássico de pecado, o que seria uma explicação superficial e simplória. O pecado é a alienação do fundamento do nosso ser”.
d. A SANTIFICAÇÃO NA PERSPECTIVA DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
Santificação é “apartar-se do pecado”. Porém, na teologia da libertação, Raimundo Barreto (2007. P.20), escreve:
Uma dessas peculiaridades é que, embora jamais neguem a pecaminosidade de todos os seres humanos, os teólogos da libertação tendem a enfocar os pobres e oprimidos como vítimas do pecado estrutural, e não como pecadores. Como tal, não precisam ser acusados por seu pecado; antes, precisam ser libertos das estruturas pecaminosas que os vitimam. Como o diz muito bem José Comblin: Alguns seres humanos merecem mais compaixão do que condenação. Embora seja cometido por seres humanos, o pecado é cometido coletiva e anonimamente; surge mais das estruturas estabelecidas do que da malícia pessoal dos indivíduos. Isso não elimina a possibilidade da maldade individual, porém o que é devido a essa maldade não se pode comparar com a enorme massa de maus procedimentos das estruturas de dominação e exploração, pelas quais os seres humanos são mais freqüentemente manipulados do que manipuladores. O pecado é a afirmação de uma imensa passividade humana, uma falta de liberdade. (COMBLIN, 1993 p. 528). Dessa forma, a Teologia da Libertação se concentra nas “[...] estruturas opressivas que são fruto da exploração e da injustiça.” Para a Teologia da Libertação, “[...] quando pecam, os seres humanos criam estruturas de pecado que, por sua vez, fazem-nos pecar”. E é nessas estruturas que “[...] os pecados da falta de solidariedade se cristalizam.” (GONZALEZ FAUS, 1993, p. 537).
Embora não elimine a existência do pecado individual, a teologia da libertação tem como foco “estruturas opressivas que são fruto da exploração e da injustiça”. Então, podemos deduzir que a santificação na perspectiva da teologia da libertação é romper com essas estruturas opressivas; é buscar a solidariedade, fugir da exploração e da injustiça social.
e. A SANTIFICAÇÃO NA PERSPECTIVA DA NEO-ORTODOXIA
Quando chegamos à teologia neo-ortodoxa (raiz da teologia contemporânea), escrevendo sobre os conceitos teológicos de Barth, Raimundo de Oliveira (1997. P.133) diz:
Segundo Barth, o pecado pertence à natureza do homem como um ser criado. Desse modo, na qualidade de homem, até mesmo nosso Senhor Jesus Cristo foi carne pecaminosa [...] Barth fala de perdão de pecado, mas “perdão” não significa para ele, que o homem seja transformado e se torne uma nova criatura. Pare ele, tudo quanto é criado é pecaminoso [...] Segundo Barth, “o pecado habitou, habita e habitará no corpo mortal enquanto o tempo for tempo, o homem for homem e o mundo for mundo”. Não vemos esperança de real salvação para os neomordenistas.
A santificação dentro dessa perspectiva não faz sentido algum, pois o pecado é visto como algo pertencente à criação. Assim, não faz sentido alguém buscar separação de algo que faz parte da própria criação. E não há perspectiva alguma de santificação futura, já que a escatologia segundo a neo-ortodoxia, “nada tem a ver com o futuro” (idem p.134).
3.2 USURPANDO OS MEIOS DE SANTIFICAÇÃO
Nas perspectivas das vertentes, influentes e na própria raiz da teologia contemporânea e do que a mesma propõe. Nota-se que há uma clara perda do foco e sentido da doutrina da santificação. Uma vez que a santificação visa restaurar o indivíduo de seu pecado, de remi-lo de seu estado caído, conformando-o à imagem do novo homem: Cristo. Lembrando que isso é uma obra exclusiva de Deus. Que nos deixou os meios para que essa santificação seja alcançada. Todavia, a teologia contemporânea, usurpa-os para favorecimento da filosofia humanista e aos ditames da pós-modernidade.
O que são os meios de santificação?
Tudo aquilo que Deus em sua misericórdia e graça providenciou para os eleitos. Como o único participante na salvação humana, Deus proveu meios pelos quais o eleito possa obter santificação de sua vida a partir da fé e do arrependimento demonstrados no momento da decisão por Cristo, que a partir daí tem de cooperar com Deus nesse processo utilizando-se corretamente dos meios da santificação. Myer Pearlman (2006. P.208) inicia dizendo:
São meios divinamente estabelecidos de santificação: o sangue de Cristo, o Espírito Santo e a Palavra de Deus. O primeiro proporciona, primeiramente, a santificação absoluta, quanto à posição perante Deus. É uma obra consumada que concede ao pecador penitente uma posição perfeita em relação a Deus. O segundo meio é interno, efetuando a transformação da natureza do crente. O terceiro meio é externo e prático, e diz respeito ao comportamento do crente. Dessa forma, Deus fez provisão tanto para a santificação interna como externa.
Wayne Gruden (2001. P.365) completa:
O nosso papel na santificação. O papel que exercemos na santificação é tanto passivo, no sentido de que dependemos de Deus para nos santificar, quanto ativo, no sentido de que lutamos para obedecer a Deus e dar passos que aumentarão a nossa santificação [...] Primeiro, o que pode ser chamado de papel “passivo” que exercemos na santificação é visto em textos que nos encorajam a confiar em Deus ou orar e pedir que ele nos santifique [...] O papel ativo que exercemos é indicado em Romanos 8.13, quando Paulo diz: “mas, se pelo Espírito fizerem morrer os atos do corpo, viverão”. Aqui Paulo reconhece que é “pelo Espírito” que somos capazes de fazer isso. Mas ele também diz que nós devemos fazê-lo! Não é o Espírito Santo que recebe essa ordem de mortificar os desejos da carne, mas os cristãos!
Contrapondo, a teologia contemporânea, sua raiz (neo-ortodoxia), suas vertentes (teologia da libertação, teologia existencial) e influentes (movimento de cura interior, teologia da missão integral), os meios de santificação são trocados por teorias filosóficas humanistas, ideologias comunistas, pensamentos ecológicos e conceitos psicológicos. Enfim, em todas essas correntes de pensamentos podemos perceber que a santificação perde o seu significado, foco e coloca outros meios de santificação. Identificando este fato em cada um, podemos fazer um ensaio apologético:
a. O movimento de cura interior toma como meio de santificação as aplicações dos conceitos da psicologia agregados a passagens da Bíblia usadas de forma arbitrária com textos isolados de seu contexto (como fazem as hermenêuticas pós-modernas). Embora até falem de Bíblia, Espírito Santo, e do sangue de Cristo. Mas, anulam a suficiência destes quando colocam aditivos criados pela psicologia. O apóstolo Paulo declara o seu descompromisso do uso de ferramentas humanas na luta pela salvação de vidas quando diz: “Pois, embora vivamos como homens, não lutamos segundo os padrões humanos. As armas com as quais lutamos não são humanas; pelo contrário, são poderosas em Deus para destruir fortalezas”. (2Co.10.3-4 NVI). Os reformadores deixaram dois legados de confissão de fé que são conflitantes com esse procedimento: Sola Scriptura, Solus Christus.
b. A missão integral toma como meio de santificação a luta pela preservação da natureza e combate as injustiças sociais. Colocando o ser humano como um agente restaurador dos problemas sociais em detrimento do seu real problema: o pecado. A Bíblia também é citada com textos focados em atender essa proposta. Mas o seu verdadeiro papel de santificação perde o foco. O Espírito Santo e o sangue de Cristo ficam a deriva. Pois o foco da salvação é social. Enquanto que Jesus foi bem claro em suas palavras: “Eu lhes disse que vocês morrerão em seus pecados. Se vocês não crerem que Eu Sou, de fato morrerão em seus pecados”. (Jo.8.24 NVI).
c. A teologia existencial toma como meio de santificação uma busca para descoberta do eu, da existência humana. A Bíblia, o sangue de Cristo e o Espírito Santo não têm papel algum nessa obra. Tudo não passa de uso da razão e da filosofia humanista. Enquanto que Cristo nos revela: “eu vim para que tenham vida, e a tenham plenamente”. (Jo.10.10 NVI).
d. A teologia da libertação toma como meio de santificação todo tipo de ferramenta que possa ser útil na luta contra as estruturas opressivas que causam injustiças sociais. O pobre é visto como vítima do pecado e não como pecador. O sangue de Cristo, o Espírito Santo pouco podem fazer, uma vez que “salvação” é libertação da miséria e da desigualdade social. Sendo comprometida a soterologia bíblica. A Bíblia fica a mercê de novas interpretações e novas hermenêuticas. Entretanto, Jesus disse: “Jesus respondeu: Digo-lhes a verdade: Todo aquele que vive pecando é escravo do pecado”. (Jo.8.34 NVI). A libertação que ele veio trazer foi do pecado moral: “Portanto, se o Filho os libertar, vocês de fato serão livres”. (idem v.36 NVI).
e. Na neo-ortodoxia não existe meio de santificação e nem muito menos santificação como ensina a teologia clássica. O ser humano é pecador desde sua criação. Não há vitória sobre o pecado, mas conformação. Enquanto que a Bíblia nos diz: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!”. (Jo.1.29 ARA).
REFERÊNCIAS:
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BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Cultura Cristã. 2011.
BARRETO JR, Raimundo. Realismo Cristão e Teologia da Libertação. 2007. Disponível em: https://www.yumpu.com/pt/document/view/12663457/texto-completo-em-pdf-fbb/21. Acessado em 10 jul. 2014.
CARVALHO, José. Teologia Contemporânea. Disponível em: http://teologiahoje.blog.com/teologia-contemporanea/. Acessado em 17 de jun. 2014.
DURAND, Daniel. Linhas de Interpretação Bíblica. 2008. Disponível em: http://anti-heresias.blogspot.com.br/2008/09/linhas-de-interpretao-bblica-por-daniel.html. Acessado em 17 jun. 2014.
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